domingo, 6 de julho de 2008

A TEMÁTICA DO ROMANCE

“Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!”
Gonzaga, Tomás Antônio (1744-1810). Marília de Dirceu,
Parte I: Lira I (versos 11 a 19)





Gonzaga esteve presente em dois momentos principais na literatura do século 18: no campo poético, o movimento buscava atenuar os aspectos exagerados do Barroco e o arbítrio do criador, retomando o sentimento comum do homem, a simplicidade, o natural, o equilíbrio, trazendo a tradição clássica para a Arcádia, digna versão literária do Iluminismo, segundo o Prof. Alfredo Bosi, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em sua História Concisa da Literatura Brasileira. Gonzaga tinha a postura do classicismo pré-romântico, mais próximo dos pensadores ilustrados do que do estilo colonial-barroco, ainda vigente, em Aleijadinho, por exemplo, criando uma discronia entre a literatura e outras formas de expressar. No campo ideológico, repercutiu na literatura o abismo entre o pensamento dos intelectuais e o das classes dirigentes, uns conscientes da triste e real situação da colônia, outros convenientemente alienados, exacerbando a crítica à mentalidade colonial, à incompetência, ao despotismo e à corrupção (ô filme!), apesar do liberte-égalité-fraternité dos franceses e da liberdade das 13 colônias em 1776. Critilo (disfarce de Gonzaga), nas Cartas Chilenas (Chile é Minas), demonizou e fez do governador da época, o Fanfarrão Minésio, o alvo de suas sátiras. Informações reprimidas e negadas pelas autoridades desafiavam as adversidades e fluíam entre os intelectuais de tal modo que, dentre os objetos apreendidos aos inconfidentes, constava uma exemplar da Constituição dos USA, promulgada pouquíssimo tempo antes da Conjuração. Francisco Rodrigues Jr e Gonzaga estão separados por séculos. Aquele, Francisco Jr, é de hoje, está aí bem jovem, este, Gonzaga, é do século 18. No romance Mistério sob as Luzes da Arcádia e no poema Marília de Dirceu, encontramos o ser humano com seus amores, seu humores, e tudo o mais que existe entre o céu e a terra. Em ambos o tema é o amor, essa coisa perene, o eterno tema, o mesmo amor que vem trazendo felicidade ou cicatrizes para amantes e nações inteira, desde Homero até Francisco Jr: Helena, Grécia e Tróia; Lucrécia e os reis de Roma; Júlia e André. O poema de Gonzaga foi editado e reeditado incessantemente desde 1792. Daí porque o amor de Gonzaga atravessou esses séculos, trazido pelos próprios Dirceu e Marília, até Francisco Jr, e este teve uma feliz idéia. Fez uma surpreendente releitura do poema, recria em cima um belo romance ambientado também no século 18, muito inspirado e muito interessante, a que não faltam o maravilhoso, os fenômenos naturais e histórias e lendas extraordinárias, de arrepiar, incluindo aí o mistério. Nem falta intriga dos deuses da Antiguidade clássica transportados com o neoclassicismo até os árcades e, como se vê, até nós.


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